reportagem especial

MAPA: os 10 locais com risco de afundamento de solo e alagamentos em Santa Maria

Eduardo Tesch

Foto: Renan Mattos (Diário)
Arroio Cadena, que passa pela Avenida Hélvio Basso é contaminado por esgoto e pelo lixo colocado indevidamente no local

"Eu era acostumado a jogar futebol onde, agora, é o Parque Itaimbé. Isso, nas décadas de 1970 e 1980. Bem onde existem as quadras de basquete, cruzava uma sanga por ali. Quantas vezes perdíamos a bola do jogo na sanga. A água levava embora e não tinha o que fazer".  

O relato do porteiro Fernando Antunes Dôhler, 53 anos, se confunde com a história de muitos santa-marienses. Com o crescimento desordenado da cidade durante o século 20, os afluentes de água, como córregos e sangas que cruzam pelo município foram, aos poucos, sumindo dos olhos e, consequentemente, da rotina da população.

A água, que corria a céu aberto no Centro, e acabava levando a bola do futebol já não existe mais - no lugar, há concreto. E não demorou muito para que o barulho de água corrente fosse substituído pelos problemas que esses cursos d'água - agora correndo através de tubulações - causam à população, como afundamento do solo e alagamentos.

- Eu tive que fazer um piso de 10 centímetros de altura de concreto para aguentar o peso da oficina. Se não fosse assim, iria abrir tudo - relata o mecânico Anderson Freitas, 38 anos.

A oficina fica na Rua Treze de Maio, no Centro, bem acima de uma sanga que corre pelo local. Com isso, tudo que é construído ali acaba afundando, inclusive parte da rua.

- É uma buraqueira só. Parece que nem adianta arrumar - constata Anderson.

10 PONTOS CRÍTICOS
O afundamento do solo não é privilégio da Rua Treze de Maio. Segundo um levantamento divulgado pelo Instituto do Planejamento de Santa Maria, existem, ao menos, outros quatro pontos na cidade que sofrem com o mesmo transtorno devido a problemas na drenagem das sangas na zona urbana do município: na Avenida Borges de Medeiros, na Rua Floriano Peixoto esquina com a Rua Tuiuti, na Rua Papa Pio XII e na Rua André Marques.

- Estes afundamentos têm ocorrido devido ao grande volume de águas pluviais e até mesmo esgoto que vem sendo lançado nesses arroios, estes por sua vez, não conseguem dar vazão total ao que é lançado, principalmente em épocas de grandes volumes de chuva, e por sua tubulação já estar subdimensionada, as águas acabam buscando outros caminhos e levando com isso o solo - explica o Engenheiro Ambiental Gerson Vargas Peixoto, superintendente de Licenciamento e Controle Ambiental da prefeitura de Santa Maria.

Além disso, a ação humana tem um importante papel para os afundamentos no solo

- A construção desenfreada sem os mínimos cuidados de retenção e reutilização das águas pluviais são fatores que colaboram com esses acontecimentos - afirma Gerson.

A cratera que está aberta na Avenida Borges de Medeiros desde dezembro do ano passado é um exemplo disso. Com as fortes chuvas que caíram em Santa Maria no final de 2018, a tubulação não conseguiu dar vazão ao Arroio da Aldeia, que cruza pelo local. Com isso, o trânsito está prejudicado há mais de três meses. A prefeitura realiza obras no local, que devem durar, pelo menos, até a metade de março.  

Visando compreender os gargalos do saneamento básico em Santa Maria, a prefeitura, no início da década, decidiu lançar uma licitação para que uma empresa independente pudesse elaborar o Plano Municipal de Saneamento Ambiental. Dividido em cinco capítulos, o plano detalha os problemas que a cidade enfrenta nesse aspecto. São 10 pontos críticos de risco de afundamento do solo, alagamentos e proliferação de insetos.

No documento, são mostrados diagnósticos sobre o sistema de distribuição de água, esgoto sanitário, drenagem urbana e resíduos sólidos. Em 2015, o plano acabou virando lei municipal pelas mãos do ex-prefeito José Haidar Farret, que criou a política municipal de saneamento básico, além de instituir o plano municipal de saneamento.

No terceiro volume, o documento detalha o sistema de drenagem urbana de Santa Maria. As duas empresas vencedoras da licitação - uma da Espanha e outra do Mato Grosso - mostram 10 pontos em que há problemas na cidade devido às sangas que cruzam o município.

 - Os pontos são frutos da intervenção humana no local e acabam gerando esses pontos de conflito. Agora, com o dinheiro dos recursos do fundo pró-saneamento (que são repassados pela Corsan durante 35 anos), o município deve providenciar, nos próximos meses, um projeto para atender esse plano de drenagem e começarmos, efetivamente a realizarmos obras - afirma o secretário de Infraestrutura, Francisco Severo.

Confira os 10 pontos destacados pelo levantamento - clique nos pontos do mapa para ter mais detalhes:

ESGOTO E LIXO: FALTA DE CONSCIENTIZAÇÃO DA POPULAÇÃOFoto: Renan Mattos (Diário) 
Lixo é descartado irregularmente em cursos d'água

Se, por um lado, os cursos d'água canalizados estão provocando o afundamento do solo em áreas da zona urbana de Santa Maria, por outro, os que escapam do concreto e ainda correm a céu aberto enfrentam problemas: o mau cheiro, provocado pelo esgoto, e também a falta de conscientização de muitas de pessoas que acabam depositando lixo nesses locais.

Com mais de 21 quilômetros de extensão e cruzando por 2/3 da área do município, o Arroio Cadena - o maior da cidade - acaba sendo um dos mais prejudicados pela ação humana. Cruzando pela Avenida Hélvio Basso, na zona centro-oeste, o mau cheiro é uma das marcas registradas do local.

- É muito ruim, principalmente quando fica algum tempo sem chover na cidade. De tanto que a gente cheira isso, acaba até se acostumando. Tem muito lixo e esgoto que corre por ali - relata a comerciante Giani Cassol, 38 anos.

O problema não fica restrito a Avenida Hélvio Basso. Na Rua João Lino Preto, Bairro Pinheiro Machado, a situação é ainda mais grave: além do mau cheiro, em dias de chuva, os alagamentos são constantes. Para resolver a situação enfrentada há mais de 40 anos, a prefeitura está realizando obras de saneamento no local, com a instalação de mais de 400 metros de tubos. Ao custo de R$ 1,3 milhão aos cofres públicos, o dinheiro vai sair do Fundo Pró-Saneamento, que recebe repasses anuais efetuados pela Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) ao decorrer dos 35 anos de contrato vigente entre a concessionária e o Executivo. Conforme o secretário de Infraestrutura, Francisco Severo, o dinheiro do fundo será usado para resolver problemas relacionados à drenagem urbana de Santa Maria.

Mas de nada adianta as obras serem realizadas se a consciência dos moradores não mudar.

- É imprescindível mudar a visão que a população tem quanto ao problema destacado, tirando o foco de que as sangas são um problema, onde na real o problema é do despejo irregular de esgoto e resíduos. Hoje não podemos abastecer nossas residências com a água dos arroios e tomarmos banho nos verões escaldantes, devido a poluição causada por nós mesmos - explica o engenheiro ambiental Gerson Vargas Peixoto.

No outro lado da cidade, no Bairro Camobi, o depósito irregular de lixo às margens da sanga que cruza pela Rua Luis Petry incomoda quem mora na área. Indignados com a situação, o motorista Antônio Garcia, 57 anos, e os vizinhos resolveram tirar o lixo acumulado no curso d'água por conta própria.

- Uma vez por semana nós limpamos aqui. O pessoal coloca muito lixo, já vi até sofá sendo jogado fora- relata Garcia.

Se não fosse o lixo e o descarte irregular de esgoto, as sangas, na realidade, deveriam ser motivo de orgulho para os santa-marienses.

- Santa Maria é uma cidade que pode-se considerar privilegiada quanto a quantidade de recursos hídricos. Infelizmente a urbanização descontrolada e não sustentável condenou muitos destes recursos que futuramente podem vir a ser nossa salvação em caso de grandes estiagens - afirma o Engenheiro Gerson. 

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